O "Jornal da Orla", da cidade de Santos, publicou em 2007 uma matéria do jornalista Mauri Alexandrino que considerei bem interessante, sobretudo em tempos em que cantar o hino faz parte do nosso cotidiano, e por isso reproduzo aqui.
"Suponha trazer Joaquim Osório Duque Estrada para os dias de hoje pretendendo que ele compreenda, de bate-pronto, a letra de uma canção de Arnaldo Antunes. É algo parecido com a perplexidade da maioria dos brasileiros. Duque Estrada usou palavras e versificações de seu tempo ao escrever os versos do Hino Nacional, em 1909 - embora, mesmo na ocasião, não tenha feito a menor questão para ser popular, mais interessado que estava em agradar os gabinetes que as ruas, segundo dizem. Disso resulta a polêmica de hoje em dia.
Não existe uma interpretação oficial daqueles versos cheios de palavras complicadas. Há centenas extra-oficiais. A encrenca vai desde o Arquivo Nacional até as Forças Armadas, passando pela Maçonaria, filólogos da Universidade de São Paulo e da Universidade de Brasília, semiólogos de institutos de variados calibres e curiosos em geral. É uma batalha que começa nos dicionários, passa por profundos estudos sobre poesia do século 19 e não chega a terminar.
O trecho em que o Hino diz "formoso céu, risonho e límpido", por exemplo, aparentemente não tão deixa dúvidas. Aparentemente. Uma pesquisa mais profunda indicará que a palavra "risonho", como foi empregada no verso, deve ser entendida como "repleto de promessas", e não como "alegre" ou "feliz", como normalmente se faz, e com a palavra "promessas" significando perspectivas. E "límpido", geralmente explicado como "sem nuvens", na verdade quer dizer "nítido". Ou seja, o autor falava de um belo céu, repleto de promessas nítidas de um futuro grandioso.
Mais complicado ainda é o famoso "Mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta". Uma corrente, que é a mais aceita, defende que o verso significa "se, em defesa da justiça, tiveres de ir à guerra, verás..." Mas outra corrente defende apaixonadamente que as palavras, de fato, significam "se levantas as armas da violência acima da justiça, verás..." Parece pouca coisa, mas com um pouco de atenção se pode perceber que os sentidos são opostos. A primeira fala do Brasil para outras nações, a segunda do povo para seu próprio governo.
Se o Hino fosse um manifesto, ele seria mais ou menos assim:
O Brasil agora é independente como resultado da luta dos brasileiros que equipararam sua terra às outras nações da Terra. Somos um povo livre e confiante, que ama seu país. Não hesitaremos em defender a liberdade conquistada, mesmo à custa de nossas vidas. Viemos para ficar.
Desde agora e para sempre, nosso maior desejo é que haja apenas amor e esperança em nossa terra, essa mãe generosa, e que sejamos, desse modo, uma inspiração para todos os povos.
Este é um país que nasceu grande e está destinado a um futuro brilhante, que será construído por nosso povo destemido com o exemplo de nosso passado glorioso.
Também a beleza do Brasil não deve nada a outros países da América, ao contrário, é ainda mais belo.
Queremos que esta seja a pátria do amor e da paz, mas se formos levados à guerra em defesa do que é justo, não fugiremos à luta nem temeremos a morte, porque, entre as coisas que mais prezamos, está o nosso profundo amor pelo Brasil.
Hino Nacional Original:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.
Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!
Parte II
Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!
Do que a terra, mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores."
Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!
Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
- "Paz no futuro e glória no passado."
Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!
"TRADUÇÃO"
As margens tranqüilas do rio Ipiranga ouviram o grito forte de um povo heróico
e o sol da independência brilhou no céu da Pátria, em raios faiscantes, naquele momento.
Se, com nossa firmeza, conseguimos conquistar o direito à igualdade com outras nações, agora que somos livres nosso coração desafia a própria morte.
Ó pátria amada,
adorada,
salve!
Enquanto a imagem da constelação do Cruzeiro do Sul brilhar em teu céu belo e repleto de promessas nítidas, o sonho de amor e de esperança existirá na terra.
És grandioso desde que nascestes, és belo, és forte, um gigante destemido, e teu futuro refletirá essa grandeza.
Terra adorada,
entre outras mil
és tu, Brasil,
ó pátria amada,
a mãe generosa dos filhos desse solo.
Pátria amada Brasil.
Parte II
Ocupando para sempre este lugar magnífico, ao som do mar e à luz do céu de azul intenso, tu brilhas, Brasil, beleza da América, iluminado ao sol do Novo Mundo.
Teus agradáveis e lindos campos têm mais flores do que a terra mais vistosa. "Nossos bosques têm mais vida" e "nossa vida mais amores" vivendo aqui.
(as partes em aspas são da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias)
Ó pátria amada, adorada, salve!
Brasil, que a bandeira estrelada que exibes seja símbolo de nosso amor eterno, e que o verde e o amarelo signifiquem paz no futuro e glória no passado.
Mas se, em defesa da justiça, tiveres de ir à guerra, verás que um filho teu não foge à luta, nem teme a própria morte quem te adora.
Terra adorada,
entre outras mil,
és tu, Brasil,
ó pátria amada,
a mãe generosa dos filhos deste solo.
Pátria amada Brasil."
Agora ficou mais fácil entender o que se canta no nosso hino! Agora, se o pessoal continuar a canta "Ouviram dos Piranga as margens flácidas..." aí é outra história.
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